sábado, 1 de novembro de 2008

Dois roteiros para um único épico

Günter Lamprecht como Franz Biberkopf em Berlin Alexanderplatz (1980)
Nos idos de 80, o mundo encontrava-se na tensão de uma possível guerra nuclear protagonizada pelos panteões bélicos da época, que haviam tomado Berlim por palco de suas ideologias e políticas. Dividida em duas, a atual capital alemã teve uma de suas praças demarcada como propriedade soviética. Alexanderplatz estava encravada no centro de uma cidade símbolo de uma nação que conheceu a riqueza pela industrialização radical e rápida, mas também, por sanções que humilharam e delimitaram seu poderio como Estado forte.
Foi na mesma conturbada década de 80, que a televisão alemã ARD, publica Berlin Alexanderplatz (1980), série inspirada no romance de Alfred Döblin. Dirigida e roteirizada por Rainer W. Fassbinder, a série, com 13 episódios e epílogo, seria exibida em toda sua extensão de 15h e 20 min, nos cinemas alemães em 23 de junho de 1981. O filme foi rodado, pela segunda vez e em sua versão remasterizada, na 32ª Mostra Internacional de Cinema em blocos de 3 episódios cada. Anteriormente, já tinha ido às telas em uma só tacada na 9ª Mostra de Cinema.

Apesar de não ter concebido uma versão especial para o cinema como queria – elenco diferente, roteiro diferente, formato diferente – o cineasta tornou-se reconhecido pelo megafilme. “Fassbinder não busca mostrar o estereótipo do alemão, nem uma visão cor-de-rosa dele, mas sim, uma visão crítica da sociedade alemã”, diz o historiador e organizador de mídias do Instituto Goethe, Paulo Pina. O filme traz o protagonista Franz Biberkopf como partícula integrante de uma sociedade materialista que busca purgar seus fantasmas e levar uma vida tranqüila. “É um filme épico. Por meio de um personagem se construiu a história de um povo”, complementa Paulo.

O romance homônimo de Döblin é dividido em 9 ivros, mas veio posterior à história contada em folhetins no ano de 1928. Três anos mais tarde, é feita a primeira versão de Berlin Alexanderplatz para o cinema. Phil Jutzi dirige e o próprio Döblin roteiriza, no entanto, o filme mais antigo não passa dos 90 min.

Em entrevista contida no livro A Anarquia da Fantasia (Jorge Zahar, 1988), Fassbinder fala sobre o roteiro da série e o roteiro de Berlin Alexanderplatz para um futuro filme: “o seriado de TV procura estimular o espectador a ler, muito embora sua visão seja solicitada. O trabalho do filme é completamente diferente: para começar ele conta, de forma bastante condensada, uma estória que só posteriormente surte seu efeito, botando para trabalhar a consciência e a imaginação do espectador. Pode-se dizer que segui muito de perto o romance. E pode-se dizer também que existem modificações decisivas.”

Embora não tenha feito o filme, mas apenas a série, o diretor bávaro deixa bem claro, com a exteriorização dos diálogos interiores contidos no livro de Döblin, o distanciamento do personagem de si mesmo, fator que acaba contaminando o espectador e colocando-o num lugar de crítico ao invés de imergi-lo na trama por identificação com as personagens. Além disso, Fassbinder dá ênfase ao papel das mulheres em Berlin Alexanderplatz, coisa que não se verifica no romance de Döblin, já que o autor se atém a tradição romanesca do século XVIII, época em que as mulheres não são muito consideradas, exceto quando se tem vontade ou necessidade.

Mesmo com sua morte prematura aos 37 anos, Fassbinder deixou um grande legado ao povo alemão, ainda que precisasse mexer em cruentas feridas. Nem Berlin Alexanderplatz nem as demais películas do diretor alemão são suaves no que propõem, e estão determinadas em discutir o status de uma nação que intercalou fracassos e glórias em tão curto tempo.

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