quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Esquimós e winnipegers: cada um narra de um jeito

Buscar a história de uma cidade, casada com a memória afetiva que se tem dela. Foi o que fez Guy Maddin com Meu Winnipeg (2007), filme exibido no 32º Festival Internacional de Cinema de São Paulo. O diretor canadense [de Winnipeg] costura seu longa com eventos reais sobre a cidade de Winnipeg e a visão de suas próprias experiências dentro dela. Para tanto, ele usa de cortes, colagens e acelerações – técnica muito utilizada no vídeo-clipe – para construir sua fábula.

Cássio Carlos Starling, crítico de cinema, diz em matéria à
Folha de S. Paulo, que Maddin buscou seu roteiro fílmico na matriz do cinema-olho de Vertov. Em Meu Winnipeg , a câmera vive, passeia pela cidade sempre sentindo os lugares, os movimentos, buscando o registro histórico e a subjetividade através da objetiva. No entanto, o winnipeger separa-se de Vertov quando inocula no enredo não só a história da cidade canadense, mas a sua própria história junto a ela. O resultado é um documentário hipersubjetivo, com uma narrativa onírica e, até mesmo, delirante.

Essa realidade ficcional é uma das peças constituintes do feitio documental. O americano Robert Flaherty (1884 – 1951) tocou o cerne do conflito cinema ficcional X documentário, com seu filme Nanook, o esquimó (1921), durante o começo do século XX. Flaherty houvera filmado sua jornada pelo Alasca em 1913. No entanto, os negativos dessa filmagem foram destruídos por um incêndio. Assim, em 1920, o diretor retorna ao Alasca para recriar, de modo autêntico ao original, o que havia perdido nas chamas. Isso fez com que Flaherty reproduzisse, através da montagem dos planos, costumes perdidos pelos esquimós entre os anos em que o primeiro material fora filmado e a “regravação” do segundo.

“Ele cria uma história dos relacionamentos, formas de trabalho e costumes daquele povo. Não importa a ordem em que ele filmou, mas como ele coloca o material cronologicamente”, pontua Gláucia Davino, doutora em cinema pela USP e professora do curso de publicidade e propaganda da Universidade Mackenzie. De acordo com a professora, Flaherty narrava histórias ficcionais através da realidade capturada pelo filme sem, porém, contar mentira alguma.

“O que é mais flagrante em Nanook não é seu lugar de ilusionismo discursivo ou de realidade transcrita, mas o modo como ele registra o momento em que o cinema descobre, em seu aparato técnico, a possibilidade de uma dramaturgia liberta dos padrões de captação, iluminação, interpretação e segurança dos palcos-estúdios” diz o cineasta Felipe Bragança, em matéria à revista virtual de cinema
Contracampo.

Tanto Nanook como Meu Winnipeg, inserem-se dentro de um cinema que não está preocupado com os embates da ficção com realidade. Os dois procuram, através da brincadeira com os planos, um jeito de narrar uma fábula: seja ela reprodutível como acontecimento, seja ela uma visão particular do real. (RB)

Abaixo, um trecho de Nanook, o esquimó (1921):

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